terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sonho gelado

*Diogo Andrade

Já era noite quando ela voltava para casa. Estava frio, e seu curto vestido não era suficiente para protegê-la. Seus saltos ecoavam e ela desejou poder abafar aquele barulho que chamava atenção. Os poucos casais que estavam na rua ocupavam os bancos do ônibus. Ela se posicionou à frente de onde dois pombinhos namoravam e esperou com paciência seu transporte chegar.
A noite tinha sido péssima, precisava de carinho, precisava de abrigo, sair definitivamente não tinha sido uma boa ideia. Ela o amou silenciosamente durante cinco anos e, quando finalmente estava prestes a se declarar, soube que ele havia encontrado alguém. Decidiu sair para espairecer, conversar um pouco a faria melhor, pensou; mas tudo parecia pior.  
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O ônibus estava demorando, decidiu sentar-se na beirada da calçada, o banco continuava ocupado. Uma lágrima traiçoeira escorreu pelo seu rosto, ela desejou poder fazê-la voltar. Abraçou-se tentando se proteger do frio que cortava sua pele. Ficou preocupada com a demora, mas não tinha forças para se levantar. Voltar para casa a deixaria mais depressiva, continuar ali parecia a coisa certa a se fazer, pelo menos adiaria o choro até a hora de dormir.
– Oi, tudo bem? – Disse a mulher que estava sentada no banquinho.
– Oi. – Ela disse cabisbaixa.
– Tome! – estendeu uma jaqueta de couro – É do meu namorado, percebemos que você está tremendo. Pode ficar com ela até seu ônibus chegar.
Ela não queria olhar para a mulher, não queria que ela percebesse que estava chorando, mas estava tão frio, tinha de aceitar a oferta.
– Obrigada! – Olhou de leve nos olhos da mulher, e em seguida desviou o olhar vestindo a jaqueta.
– Por que está chorando? – perguntou. – Está com tanto frio assim? – tentou ser engraçada.
– Não... – Deu um longo suspiro. – Estou apenas triste.
Mais lágrimas caíram, e ela não conseguia mais se controlar.
– Quer desabafar? Vai te fazer melhor.
– Não quero te incomodar, e seu namorado?
– Ele está vendo um vídeo de luta no celular, nem vai sentir minha falta, também estamos esperando o ônibus.
– Se é assim tudo bem. – virou-se para a simpática mulher. – Eu sou apaixonada por um amigo. Conhecemos-nos há cinco anos, e desde então sou vidrada nele. Seu jeito, seu cheiro, sua voz, tudo me chama a atenção. Ele já tentou me beijar uma vez, mas eu era tímida, me esquivei, e depois disso nunca mais.
– Entendo... Mas por que você não diz a ele o que sente? – parecia tão estúpido para a mulher.
– Porque agora é tarde demais, ele está namorando outra pessoa, e já não vejo possibilidades de dar certo. – Mais lágrimas começaram a cair. – O pior de tudo é no trabalho. Encontrá-lo é o que mais dói. Receber o seu bom dia, ouvir sobre sua rotina, seus problemas. A risada dele é tão doce, e o seu hálito me excita de tantas formas. Eu não sabia o que era amar até perder o meu grande amor.
Todo aquele texto pareceu piegas demais, porém ela resolveu continuar, precisava falar.
– Ele é meu protetor, meu melhor amigo, com quem eu posso contar, ele é o satélite que me guia, ele me faz tão feliz. Queria muito mais que sua amizade, mas agora toda vez que olho em seus olhos sinto uma dor tão grande. Não tenho direito de interferir em sua vida, mas só de saber que ele está em outros braços, sendo cuidado por outra. Só de saber que não pude correspondê-lo quando ele precisou de mim... – Ela respirou profundamente e olhou para a mulher.
– Nossa, estou sem palavras. – pensou, mordeu o canto da boca, e tentou não parecer superficial. – Tudo vai ficar bem! Um dia você vai encontrar alguém que te ame, e vai perceber que tinha que ter passado por isso.
– Obrigada. – foi só o que pode dizer.
A mulher se levantou e foi se sentar com o namorado.
Ainda com frio, ela se encolheu e sentiu o perfume na jaqueta, era tão familiar... Era familiar demais. Era o perfume dele. Tudo parou, seria isso possível? Não, provavelmente era só mais uma loucura de sua mente.
Depois de algum tempo o ônibus finalmente apontou no longe. Ela se levantou, arrumou a roupa, checou seu cabelo, e se virou para entregar a jaqueta ao casal.
Os dois estavam abraçados, a mulher estava de costas e tudo que ela pode ver foi o rosto dele. Seu coração acelerou, ela levou a mão à boca. Ele a olhou nos olhos, a mulher desfez-se do abraço e pegou a jaqueta.
– Obrigada! – disse sem jeito.
– Disponha. – abriu um sorriso que logo se desfez. – Por que está chorando, amor? – ela viu que seu namorado estava visivelmente abalado.
O ônibus se aproximou e ela fez sinal.
– Vocês não vêm? – disse já dentro do ônibus.
– Vamos de táxi, ele ficou assim de repente, prefiro esperar.
– Desculpe, e obrigada. – disse já em movimento.
O ônibus acelerou e atravessou o sinal vermelho, o motorista havia passado mal, uma carreta atingiu o veículo em cheio. Ela que ainda estava em pé, olhando seu amor pela porta aberta, foi arremessada para fora do ônibus.
Aos prantos ele correu até o local.
– Não! – foi tudo que conseguiu gritar.
Mais pessoas se aproximaram inclusive a mulher. Todos estavam assustados, mas nenhum demonstrava tanto desespero quanto ele.
– Você a conhecia? O que está acontecendo? – perguntou a namorada.
– Está morta! – disse em choque.
Ele se levantou, foi em direção ao viaduto. Ela sem entender o acompanhou.
– O que você está fazendo, Romeu? – gritou percebendo que ele ficava a cada vez mais perto da beirada.
– Nada mais faz sentido, adeus! – Pulou e rapidamente seu corpo tocou o chão.
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– Acorde, moça? – uma voz longe a estava chamando.
Em meio à gritaria e as ambulâncias, ela despertou.
– A senhora dormiu a viagem toda, chegamos a sua casa.
– Desculpe-me! – disse ainda sonolenta. – Tive um terrível pesadelo.
Ela desceu do ônibus e foi para a casa. Rapidamente tratou de tirar os sapatos que a estavam machucando e colocou a jaqueta em cima da cama.
– De quem é esta jaqueta? – disse em voz alta.
Tudo que ela sabe é que estava apenas de vestido, e que possivelmente alguém a agasalhou enquanto dormia. Ela sabia que era idiota, mas mesmo assim procurou pelo cheiro dele, e estava ainda mais forte do que no sonho.
Em um dos bolsos um bilhete:
“ Jú, eu ia te chamar, mas você  parecia estar tão confortável que pedi para o trocador te acordar. Fique com a jaqueta, segunda você me devolve e a gente conversa melhor. Beijos, Romeu!”
Ela se agarrou a peça e sorriu. Apesar de tudo ela sabia que não precisava se preocupar, esta noite ela não passaria mais frio.

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