sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A semelhança que faz a diferença

*Camila Macedo
Passado o reveillon, o brasileiro precisa fazer um balanço, contabilizar o que passou e planejar o que está por vir. É bom lembrar que o carnaval está chegando e nada melhor que deixar tudo preparado para os dias de folia. 
Não há como negar que essa é uma data especial. Cada região, cada cidade, tem um estilo singular de manifestar sua paixão. O sul do Brasil, que hoje desfila com seus carros alegóricos, até a década de 1960 admitia em suas tribos carnavalescas somente homens; O maracatu e o frevo surgiram no nordeste e conquistaram foliões de diversas partes do país. A dança com ritmo agitado fazia as pessoas ferverem. O povo pronunciava “frever, frevura” e assim surgiu o “frevo”.
O Bumba-meu-boi, tradicional no norte, surgiu como uma forma de criticar a situação social de negros e índios. Hoje, alegorias semelhantes são usadas em blocos de Minas Gerais. A tradição das escolas de samba que desfilam nos sambódromos do sudeste é exibida pela TV em rede nacional como uma forma de propagar a cultura brasileira; Já em alguns locais do centro-oeste a festa ganhou perfil de micareta.Na sexta-feira a folia tem início e é comum vermos turistas desembarcando na rodoviária com suas malas e colchonetes em baixo do braço. O clima é de festa. Com o endereço em mãos, eles saem à procura da casa alugada. Outros ficam hospedados em hotéis ou na casa de amigos. A essa altura a cidade já está enfeitada. O percurso que será feito pelos blocos e pela escola de samba ganha vida em um emaranhado de varais com serpentinas penduradas. A beleza dos filetes laminados é complementada pelas placas iluminadas com desenhos de palhaços e o nome da festa: Doce Folia.
Em uma cidade da Zona da Mata Mineira, há 217 km da capital, Belo Horizonte, os reflexos da tradição nordestina criaram raízes. Em época de carnaval, Alto Rio Doce tem seu cenário totalmente modificado. Não só pela ornamentação, mas também pela movimentação de turistas. O centro da pacata cidade com pouco mais que 12 mil habitantes não dorme durante os cinco dias. Ônibus fretados chegam a qualquer hora do dia ou da noite; carros de som circulam pela cidade; foliões fazem concentração na praça; vuvuzelas e apitos são ouvidos de longe.
Para quem não quer perder nenhum detalhe, é bom se apressar. Na abertura do evento temos a tradicional Batalha de Confetes que acontece na rua, em frente ao palco de shows. As crianças vestem suas fantasias e preparam os confetes e as serpentinas. Alguns adultos também investem nas típicas alegorias. Outros preferem exibi-las nos dias consecutivos e se misturar aos blocos que desfilam pelas ruas.
No sábado é possível perceber uma movimentação ainda maior. O comércio, não diferente dos carros com seus “pancadões”, está a todo vapor. Aos poucos os foliões se concentram na praça, alguns já fantasiados, ou com seus chapéus, ou talvez óculos, mas certamente com suas canecas.
Nesta noite começam os desfiles dos blocos e, após o crepúsculo, achar alguém na multidão se torna uma tarefa complicada. Não demora muito e o Dragão Chinês da Villa Ambrosina se manifesta. Ao som de instrumentos de percussão e sopro, os foliões o acompanham.
            Fantasias de palhaços, piratas, monstros, havaianas, odaliscas, borboletas, e outras mais, saem do armário para alegrar as tardes seguintes. Passar carnaval em Alto Rio Doce e não se misturar aos blocos é como viajar para o litoral e não ir à praia. Dois deles se tornaram um marco na história desta cidade pela dimensão e envolvimento: o Bloco da Burrinha, com seus bonecos gigantes e burrinhas feitas no balaio; e o Sapolândia, que tem como principal alegoria um fusca verde, com sapos e fitas coloridas. Ao som de baterias e bandas que tocam marchinhas eles arrastam a multidão pelas ruas até chegarem à praça principal, onde os shows acontecem.
Nas noites de domingo e terça, após os desfiles dos blocos, é a vez dos passistas da Escola de Samba Unidos de Alto Rio Doce. Estes, por sua vez, encantam a população com suas fantasias e o samba-enredo, que a cada ano conta um pouco da história local. O espírito se renova, o samba não sai do pé, o ritmo é intenso, e para ter energia suficiente, restaurantes, bares e barracas improvisadas para esta ocasião dão o suporte necessário.
Na acanhada cidade o carnaval nos clubes não existe mais. Em Alto Rio Doce eles duraram várias décadas e eram mais uma opção de folguedo. Crianças, jovens, e também os adultos, participavam. Brincavam, dançavam, lançavam serpentinas de um lado ao outro do salão; as crianças reuniam os confetes pelo chão, formando montinhos, e arremessavam para o alto novamente. Os trenzinhos não podiam faltar. Eles rodavam pelo clube capturando “vagões”. De repente aquela fila com adultos, crianças e adolescentes tinha que fazer ziguezague para caber no salão.  A marchinha era o ritmo da vez, as máscaras também tinham seu lugar.
Ao que possa parecer, a diversão não se limita à folia nos clubes e nas ruas. Seja como espectador ou passista, o espírito carnavalesco se mantém vivo. Ao som de tambores, chocalhos, apitos e “pancadões” os corações se agitam e os corpos se embalam. As culturas se manifestam, os povos se misturam, se distinguem em alguns aspectos, mas o que todos têm em comum é a “frevura” que existe dentro de si.